OPINIÃO | A cada inovação, um apocalipse anunciado
- João Antonio Saraiva Leão Neto
- 15 de mai.
- 2 min de leitura
por João Saraiva

Nos anos 80, quando as calculadoras científicas começaram a se espalhar nas escolas, ouvi de mais de um professor a sentença fatal: “acabou a Matemática, ninguém mais vai pensar”. Era como se o simples apertar de teclas dissolvesse séculos de raciocínio lógico. Fui testemunha: quem usasse uma HP-12C era visto quase como herege. Mas o tempo passou — e a Matemática sobreviveu.
Veio então o computador pessoal. E com ele, mais uma onda de pânico. Diziam que o Word mataria a caligrafia, que o PowerPoint substituiria o professor. Quando o e-mail entrou em cena, muitos previram o fim da comunicação formal. Mais uma vez, a realidade não seguiu o script do medo.
Na virada do milênio, a internet popularizou-se — e os prognósticos sombrios voltaram. “Com o Google, ninguém mais vai estudar”, alertavam. “A Wikipédia vai substituir os livros”, “vai chover plágio nas redações”. Parecia que cada nova ferramenta era uma inimiga da inteligência humana. Mas os livros não sumiram, e nem o pensamento crítico se aposentou (embora às vezes pareça em licença).
E agora, com a chegada da Inteligência Artificial, mais uma profecia: “acabou a criatividade”, “os alunos vão terceirizar tudo”, “o pensamento morreu”. Mas sejamos justos: a IA não anula a inteligência humana — ela a desafia. Pode sim gerar conteúdos, simular conversas, programar, compor. Mas não sente, não escolhe com ética, não interpreta com empatia. E isso, felizmente, ainda é coisa de gente.
O que assusta não é a tecnologia em si, mas a nossa relutância em mudar de papel. Talvez o verdadeiro temor seja o de perder o controle, de ter que se reinventar, de admitir que ensinar e aprender não são mais o que eram — e talvez nunca tenham sido.
Cada inovação gera ruído. Mas a história tem mostrado que, ao contrário das profecias, o mundo não acabou. Ele apenas ficou mais complexo. E mais interessante.
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