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OPINIÃO | Entre Fátima, Mujica e Divaldo: o sagrado que anda descalço

por João Saraiva


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O dia 13 de maio já era, por si só, carregado de fé. Para os católicos, é dia de Nossa Senhora de Fátima — aquela que apareceu aos pequenos de Portugal para lembrar aos grandes do mundo que a paz começa nos olhos de uma criança.

Mas neste 13 de maio de 2025, o céu parece ter aberto suas portas para acolher dois filhos da terra que, com simplicidade e grandeza, caminharam entre nós: José “Pepe” Mujica e Divaldo Franco. Dois nomes distintos, duas histórias distantes — e uma mesma escolha: viver pelo outro.

Mujica foi o presidente que nunca deixou de ser camponês. Preferia a terra ao palanque, o silêncio das flores ao barulho do poder. Vivia num casebre com cachorros e fusca azul, mas carregava uma lucidez que faltava a muitos palácios. Foi exemplo raro de coerência política, de ética na prática. Falava como quem colhe o que planta: com humildade, firmeza e esperança.

No mesmo dia, partiu Divaldo Franco, o semeador da alma. Fundador da Mansão do Caminho, educador de crianças e consciências, homem de fé que transformou espiritualidade em cuidado. Falava ao mundo com a serenidade de quem escutava o invisível. E agia com a urgência de quem conhecia bem o sofrimento dos que vivem à margem.

Um era um ateu com alma mística. O outro, um espírita com vocação profética. Ambos, no entanto, respiravam compaixão. Ambos andavam devagar — não por lentidão, mas por respeito a quem vem atrás. Talvez Nossa Senhora de Fátima os tenha recebido com aquele gesto que ensinou aos pastorinhos: braços abertos, coração atento, ternura infinita. Porque há algo de profundamente sagrado em viver para além de si.

A morte de Mujica e Divaldo não nos empobrece apenas pela ausência — mas pela lembrança de como temos vivido: distraídos, vaidosos, acelerados. Eles nos lembram que é possível viver com os pés no chão e os olhos na justiça. Que é possível discordar sem desumanizar, crer sem excluir, servir sem esperar aplauso.

Neste mundo em ruínas simbólicas, a vida desses dois homens é farol. E sua partida, um convite: para que não deixemos a ternura morrer, para que a compaixão não vire relíquia, para que o sagrado volte a andar entre nós — de sandálias gastas, mãos calejadas e voz mansa..


 
 
 

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