OPINIÃO | Paz sob suspeita
- João Antonio Saraiva Leão Neto
- 15 de mai.
- 2 min de leitura
por João Saraiva

Maio de 2025. O mundo já não está em guerra — ele a incorporou. Não mais como exceção, mas como hábito. Como paisagem. De Gaza à Ucrânia, do Sudão ao Haiti, o planeta se estilhaça em nome de causas que já ninguém sabe explicar, mas muitos se apressam em defender. A guerra mudou de forma: saiu das trincheiras e ocupou as timelines. Hoje, ela circula em memes, em discursos raivosos, em algoritmos treinados para premiar a polarização.
Pierre Bourdieu talvez dissesse que vivemos sob o império da violência simbólica. Uma guerra que se disfarça de opinião, que mascara desigualdades como escolhas, que justifica o ódio com a desculpa da identidade. É a barbárie cordial — uma sociedade onde se cancela com um clique e se odeia com emoji.
A dor alheia virou ruído de fundo. Um som abafado por entre notificações e estatísticas. E, ao mesmo tempo, um espetáculo permanente — como descreveu Guy Debord. Não se assiste mais à guerra com horror, mas com certa familiaridade cínica, como quem zapeia entre o noticiário e a novela.
A sociologia nos ensina: não há conflito sem contexto. Nenhum embate é isolado. Nenhuma violência é desprovida de raízes. Mas vivemos a era da amnésia coletiva. Perdemos a história, e com ela, perdemos o outro. É fácil tomar partido. Difícil é sustentar a empatia. É fácil rotular. Mais raro é escutar. A guerra se alimenta da pressa. A paz exige tempo. E paciência.
A teologia ainda recorda: toda vida é sagrada. Mas a política se apressou em transformar vidas em lados. A filosofia sussurra: a paz não é um silêncio entre batalhas, mas a construção ativa da justiça. E Bauman já alertava: a liquidez das relações humanas nos tornou incapazes de sustentar vínculos — inclusive com o sofrimento do outro.
O risco maior não é a guerra que explode. É a que escorre — pela indiferença, pela desinformação, pela normalização. Quando a barbárie deixa de chocar, ela venceu. Ainda há tempo, talvez. A história já viu cidades se erguerem das cinzas, acordos surgirem de silêncios, jardins florescerem em escombros. Mas para isso, é preciso reaprender a linguagem da paz — que começa com o nome do outro e termina no reconhecimento de que ninguém se salva sozinho.
E que, às vezes, o verdadeiro ato revolucionário… é ouvir..
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