Crônica | Quando a lousa vira vitrine (Reflexões sobre a educação privada no Brasil)
- João Antonio Saraiva Leão Neto
- 15 de mai.
- 3 min de leitura
Atualizado: 15 de mai.
por João Saraiva
A educação privada no Brasil é um tema que desperta reflexões filosóficas profundas sobre a natureza e os desafios do sistema educacional do país. Em um contexto onde a educação se torna cada vez mais essencial para o desenvolvimento individual e coletivo, é importante analisar criticamente o papel e a relevância das instituições de ensino privadas.

Durante muito tempo, a sala de aula foi meu lugar de fala — e de escuta. Um espaço onde o silêncio dos alunos revelava atenção, onde uma pergunta inesperada podia desestabilizar certezas, onde o giz, o quadro e o olhar ainda construíam sentidos. Mas hoje, nesse mesmo espaço, sinto que estamos sendo engolidos por um teatro de aparências, por uma lógica de mercado que transformou o verbo ensinar em planilha.
A educação privada no Brasil parece, cada vez mais, um espelho do país que a abriga: desigual, exausta e performática. A escola, que deveria ser o lugar do inacabado, virou um showroom de resultados, onde o brilho de uma aprovação em Medicina estampa outdoors, enquanto a formação humana some nos rodapés dos planejamentos.
E no centro desse palco está o professor — ou, melhor dizendo, o prestador de serviço pedagógico multifuncional, como talvez prefiram os manuais de gestão escolar. Hoje, espera-se que ele ministre aulas brilhantes, corrija atividades, elabore provas, atenda pais, registre presença, produza material didático e ainda sorria para a câmera da aula online. Tudo isso por um salário que mal acompanha a inflação — e que, nos últimos tempos, se tornou ainda menor para os que estão chegando agora à profissão.
É cruel assistir à demissão silenciosa de colegas experientes, trocados por profissionais novatos cujo “custo por hora/aula” é mais viável. Como se a experiência, a escuta e o afeto fossem itens supérfluos na lista de compras de um colégio-modelo. Como se a história de um educador se medisse pelo preço do seu contracheque.
Enquanto isso, os alunos — muitos deles tratados como clientes — exigem, julgam e resistem a qualquer tentativa de limites ou reflexão. Crescem dentro de bolhas digitais, onde o contraditório vira ataque, e a autoridade, opressão. Professores têm medo de falar. Algumas temáticas viram tabu. Outras, perigo.
Vivemos a intolerância dos extremos e o silêncio do medo. A educação, que deveria ser o lugar do dissenso respeitoso, virou território minado, onde cada frase pode gerar uma queixa formal ou uma postagem maldosa.
Há ainda a solidão coletiva da docência. Uma classe que, exausta, pouco se une. Que sofre calada o assédio moral travestido de “feedback” e a cobrança por metas que nenhuma alma consegue sustentar. Vivemos, todos, sob o peso de uma entrega desmedida: ser professor virou um ato de resistência — mas sem trincheira.
Não há mais tempo para luto pedagógico. O ciclo gira. O próximo simulado vem aí. O material precisa estar pronto. O horário estourou. A paciência também.
E, ainda assim, seguimos. Porque, apesar do desmonte, há algo que a planilha não vê: o brilho discreto no olho de um aluno que compreende uma ideia. O bilhete anônimo deixado na carteira. O silêncio respeitoso depois de uma fala firme. A gratidão que não estampa o Instagram, mas mora na memória.
A filosofia nos lembra que educar é mais do que instruir — é formar. E isso exige tempo, presença e dignidade.
Enquanto tratarmos professores como peças substituíveis, e alunos como consumidores de pacotes prontos, não haverá reforma curricular que resolva. A educação, se não for relação, é só vitrine. E nós, educadores, ainda queremos ser mais do que isso.
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